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terça-feira, 23 de julho de 2013

Fogo que arde sem se ver, ou importar



     Aqueles dias em que o frio, mesmo não tão gélido assim, é suficiente para esfriar a chama que arde tão mansamente no âmago. Mesmo sem crepitar ou aumentar em, pelo menos, 5ºC a temperatura à volta, a chama queimava. Mesmo não havendo nada para queimar, ela ardia. Mesmo não tendo como arder, persistia. Mesmo sem vontade de persistir, ela vivia. Vivia sem a espera de um tempo em que recolher-se-ia em sua origem, tornar-se-ia às cinzas e, por fim, se apagaria.
     A rajada de ar frio perfurante e penetrante que sopra de forma a impedir as labaredas de moldarem sua desenvoltura agora vence a batalha. A chama outrora fraca, agora já não existe como fogo, mas como cinzas fumegantes, flamejando o último resquício de vida, na esperança de ainda voltar a arder. Viver, ainda que fracamente, é melhor que perecer. E é isto que não se quer.
     Na concepção de uma pobre chama, uma lareira necessita de lenha para se manter ativa a todo o tempo e prover a segurança do calor que impede que o frio invada, faça morada e, pouco a pouco esmoreça o desejo de continuar ali. Uma chama sozinha, crepitante por pequenos galhos secos inveja aquela que, juntamente com irmãs, queima, arde e surge como onipotente, consumindo o material à sua volta, trazendo de volta o conforto.
     Este é o pensamento que surge naquele estado em que as cinzas se dispersam, sendo sopradas mais uma vez por este vento que, não satisfeito em apagar, agora quer dispersar para conquistar, e reinar como soberano num lugar onde antes irradiava e transbordava aconchego.
     Mais um sopro. Outro. O que pensava ser o último. Agora só resta uma palha incandescente, com interior enegrecido e bordas avermelhadas, o último resquício de vida daquela chama não tão feliz, mas que clama por ajuda, anseia por alguém que se achegue, acolha-a e dê a ela mais uma chance de mostrar aquilo que ela nasceu para fazer.
     O último sopro. Um resultado não tão feliz. Acabou. O remanescente são as cinzas agora sem calor nenhum, dispersas no plano. Varridas para uma pá e normalmente colocadas em um cesto. Por fim, o frio tomou conta, reinou, imperou, dominou, conquistou. Não por muito tempo. Outro conjunto de galhos secos é ajuntado, outra faísca surge. Mais uma. Uma terceira vez. Uma quarta tentativa e uma crepitação se inicia na ponta do galho, fino como um palito, mas combustível suficiente para o iniciar deste novo ciclo.
     A vida retorna. Perene, suave, quente como antigamente. Mas esta não é mais aquela que se perdeu. Nascera de uma nova forma, de uma nova fonte, sem se importar com a semelhante anterior, e sem perspectiva do que acontecerá posteriormente. Mas o vento sabe. Ele continua ali. Continua a soprar. E não se cansa. Não se cansará.

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